Pular para o conteúdo principal
fflch
 
ARTE AFRICANA: uma parceria NAP Brasil África e MAE-USP

Menu primário

  • Estudos africanistas MAE/USP
    • Artigos e Ensaios
    • Peças referenciais
  • Museus e Acervos
    • Museus na África
      • Museu Egípcio do Cairo
      • Museu Histórico de Abomey
      • Museu Nacional da República Democrática do Congo
      • Museu Nacional de Antiguidades e Artes Islâmicas
      • Museu Nacional de Artes e Tradições Populares
      • Museu Nacional de Bardo
      • Museu Theodore Monod de Arte Africana
      • Museu Zeitz de Arte Contemporânea África
    • Museus no Brasil
    • Museus na Europa
      • AfricaMuseum - Koninklijk Museum voor Midden-Afrika - Tervuren
      • British Museum
      • Ethnologisches Museum, Berlin
      • Musée du Quai-Branly
      • Museo Nazionale Preistorico Etnografico "Luigi Pigorini"
      • National Museums Liverpool: World Museum e International Slavery Museum
  • Fontes recomendadas
    • Sites
    • Bibliografias
      • Bibliografia sobre arte afro-brasileira nº 1
      • Bibliografia geral sobre arte africana
      • Publicações sobre o acervo africano e afro-brasileiro do MAE-USP
    • Glossário
  • Quem somos

Por dentro e ao redor da arte africana

 
Marta Heloísa Leuba Salum (Lisy)
 
Artigo baseado no texto de apoio do Caderno de Leituras da Ação Educativa (Monitoria) da exposição “Arte da África: obras-primas do Museu Etnológico de Berlin” no Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo.
Revisto e adaptado em 6 de abril de 2004 para publicação neste site. 
 

Ao dizermos "artes da África" (no plural), em vez de "arte africana", podemos estar enfatizando: a África tem Arte. Isso de certa forma minimiza o modo como tem sido tratada a produção estética dos africanos até nossos dias: como objeto científico. Sob o lema “conhecer para melhor dominar”, dizia-se que ela servia a “rituais e sacrifícios selvagens” e que era feita apenas de “ídolos toscos e disformes” — de “fetiches”. Mas, se todas as sociedades - antigas ou atuais - têm sua arte, então por que a necessidade dessa ênfase? Antes de mais nada, é importante percebemos é que, mesmo indiscriminada nos depósitos dos museus da Europa, essa - que se convencionou um dia chamar de arte africana - nunca deixou de resplandecer sua vitalidade eloqüente. Apesar da depreciação e preconceito com que foi antes julgada, ela é, hoje, procurada pelos grandes colecionadores e apreciadores internacionais de arte. Além da produção dos artistas modernos e contemporâneos da África (aliás, muito pouco difundidos entre nós) são muitas as artes desse grande continente, entre elas, as chamadas “tradicionais”. É a essas criações, vindas de centenas de culturas que se dá o nome de “arte africana” — como se fosse uma só! Atualmente são reconhecidas suas técnicas milenares, suas formas sofisticadas e suas “mãos-de-artistas”. A recente exposição das obras-primas da África trazida ao Brasil pelo Museu Etnológico de Berlim tentou mostrar que não há máscaras sem música nem dança, e que há um design digno de nota desde tempos imemoriais na África. Pois, de fato, a arte africana é plural e multidimensional. Mas exposição nenhuma jamais poderia recuperar a força das rochas, fontes e matas que abrigavam estátuas, nem o ambiente dos palácios, templos, altares em que se situavam. Formavam conjunto com outras peças e seu entorno: eram arquiteturais e espaciais, porém muitas não podiam ser tocadas, nem ao menos vistas. E daí tirarmos: nem toda produção plástica da África era visual.

A arte africana não é primitiva nem estática. Há peças datadas desde o século V a.C. atestando uma história da arte africana, mesmo que ainda não escrita por palavras. É certo que muitos dados estão irremediavelmente perdidos: objetos foram destruídos, queimados ou fragmentados ao gosto ocidental e moral cristã; ateliês renomados foram extintos e muitas produções interrompidas durante o período colonial na África (1894-c.1960). Mesmo assim, as peças dessa arte africana remanescente “falam” de dentro de si e por si mesmas através de volumes, texturas e materiais; veiculam um discurso estruturado reservado aos anciãos, sábios e sacerdotes. Alguns artistas, como os do Reino de Benim, exerciam função de escriba, descrevendo a história do reino por meio de ícones figurativos em placas de latão que teriam recoberto as pilastras do palácio real.

O desenho de jóias e as texturas entalhadas na superfície de certos objetos da arte africana também constituem uma linguagem gráfica particular. São padrões e modelos sinalizando origem e identidade que aparecem também na arquitetura, na tecelagem ou na arte corporal. A arte africana é multivocal.

Por exemplo, o tratamento do penteado dado a estátuas e estatuetas pelos escultores revela, muitas vezes, o elaborado trançado do cabelo das pessoas, e, mesmo, a prática cultural, em algumas sociedades, da modelagem paulatina do crânio dos que tinham status (caso dos mangbetu, do ex-Congo Belga, atual República Democrática do Congo-RDC). É, para eles, ao mesmo tempo, expressão do belo. Atribuia-se significado até às matérias-primas empregadas na criação estética — elas davam “força” à obra, acrescida, por fim, quando ela ganhava um nome, uma destinação. Tornava-se, então, parte integrante da vida coletiva. Por isso, diz-se que a arte africana é uma "arte funcional".

A arte africana, porém, não é apenas “religiosa” como se diz, mas sobretudo filosófica. A evocação dos mitos nas artes da África é um tributo às origens — ao passado —, com vistas à perpetuação — no futuro — da cultura, da sociedade, do território. E, assim, essas artes “relatam” o tempo transcorrido; tocam no problema da espacialidade e da oralidade.

Muitas esculturas, como a máscara kpelié dos senufo que introduz este site, não é feita apenas para dançar, mas para celebrar mitos. A estatueta feminina que vai no alto do crânio da face esculpida de que se constitui essa máscara, parece estar gestando, prestes a dar à luz a um filho. O interessante é que, em muitos exemplares similares, essa forma superior da máscara kpeliénão é o de uma mulher, mas de um pássaro associado à origem dessa cultura. Ela, assim como outras criações estéticas da África, constela aspectos da existência e do cosmo, ou seja, tudo o que envolve a humanidade — o Homem em sua interioridade sensorial e na sua relação com o mundo ao redor. E nisso, vemos também que a arte africana é dual.

Algumas peças da arte africana, como as impressionantes estátuas “de pregos” dos bakongo, ou as dos basonge (ou ba-songye (ambas sociedades da R.D.Congo), são, na verdade, um conglomerado composto por uma figura humana de madeira e uma parafernália de outros materiais vegetais, minerais e animais. É uma clara alusão à consciência do Homem sobre a magnitude da Natureza e de sua relação intrínseca com ela.

Podemos dizer que vem desse diálogo entre continente-conteúdo, matéria-pensamento, espaço-energia - diálogo que caracteriza a arte na África - o sopro que renova a Arte Mundial.
 

 

© ARTE AFRICANA: uma parceria NAP Brasil África e MAE-USP | 2025


Developed by Dropthemes.in